Números, números, números

Num instante,
de repente,
cá estava eu
novamente
pensando
como todos
os outros.

E bateu aquele aperto,
aquela cobrança
de que tenho que ser mais,
ou melhor,
de que tenho que ter mais
daquilo que uns têm
e que outros nem têm.

Números, números, números…
O homem venera os números
porque sempre se pode
acrescentar mais um…

Então o homem se esquece
de aproveitar de verdade
aquilo que tem,
e aproveita
ainda muito menos
aquilo que é.

Porque nunca lhe convém
se sentir bem
com o que já tem.

Existe a Terra do Nunca
e a Terra do Sempre…
Sempre correndo atrás
de números.

É nessa que a gente vive.

É o mundo do
tenho, você não tem;
fui, você não foi;
vou, você não vai;
você já foi?
Eu fui mais...
Mas todos se vão!

Enquanto isso,
não preciso de muito
para ser feliz.

Por isso relaxo e respiro,
afinal, eu prefiro
pensar e existir.

Prefiro viver,
ao invés de passar
a maior parte do tempo
insatisfeito e tentando
decorar números,
em busca de mais números.

Ricardo Starling

Brasília, 4 de fevereiro de 2021.

novo vento amigo

Olha o dia de ontem
Acabando na lembrança.
De repente, olha eu de novo
No espelho da esperança.
Tempero, temperança,
Temperamento temperamental.

No vento que soprou lá de Minas,
Ouvi que amigo é coisa pra se guardar
Debaixo de sete chaves.

Daqui do Cerrado eu grito:
Amigo é pra sentar junto,
Jogar conversa fora
E jogar fora essa chave junto.

Eu guardo segredo, meu amigo.
A lembrança morrerá junto comigo.
E o vento que já soprou
Já não volta mais.

Falo da morte porque também é vida
A tal da partida para o mundo invisível.
E a ideia é morrer jovem
O mais velho possível,
Deixando o vento passar
Para o novo vento soprar.

Brasília, 31 de janeiro de 2021

cachorro

(para o meu bom e velho Luke)

Cachorro,
preto, branco, marrom,
bicolor, tricolor, colorido,
acabou de acordar,
dormindo, acordado,
dormindo, acordado.

Fedido!

Rabo grosso,
rabo fino.
Tem raça ou é virador?

Todo cachorro se vira…
Vira-mundo, vira-latas, vira-humanos,
vira os donos, vira-tudo
de pernas pro ar,
de cabeça pra baixo
(o meu é labrador!).

A gente é que pensa que domina
os cachorros.
Os cachorros têm certeza do contrário:
“dominamos!”.

São donos das migalhas,
de um saco inteiro de pão.
Têm até ração,
mas é segunda opção.
Quer mesmo é o que está
na mão.
Churrasco, então…
(tem cachorro vegetariano!)

São donos de todos
os corações de seus donos.
E são cheios de manias
que aprenderam com a gente.

Ah… que olharzinho amoroso…
Tem cachorro que morde
(e morde até o rabo).

Pra cada coisa um olhar
ou um barulhinho gostoso.
Tem cachorro até cheiroso.
Repito: o meu tá fedido!

Mas isso é um mero detalhe
que o torna ainda mais perfeito.
Porque ele me ama do meu jeito
e nunca se importa se eu estou fedido
(ele até gosta).
Quer carinho o dia inteiro…

Uma das maiores virtudes do meu cão
é que ele não fala!
Mas ele vem todo cheio de baba.
Sai pra lá! Não!
Pra não xingar coisa pior.
Depois vem o melhor:
vem o cachorro,
pedindo perdão
por me amar tanto,
me sujar tanto,
por feder tanto…
Mesmo que a culpa seja minha
por não lhe dar banho.

E é assim todos os dias...
Todos, todos, todos.
Neste coração canino tem espaço para todos.

Ricardo Starling

Brasília, 16 de janeiro de 2021

desconstrução

Os remédios para mudar o mundo
têm gosto amargo.

Eu quero atacar o falso real,
de conhecimento geral,
o produto eleito
pela nação,
pela maioria,
em algum delírio social.

Explicar a natureza humana,
sua razão
e sua existência
através da moral ou da ciência
é perda de tempo.

Tem gente que
não ouve nem vê
o que há de melhor,
mas compra e vende
o que há de pior.

E a tal da moral
põe a culpa no meu ombro.
Diz que tudo é um vício,
até gostar de você;
que tudo é errado,
é escombro,
e oprime o que há
em mim
de mais natural.

Viver comigo não é um perigo.
No caminho que eu sigo,
o verdadeiro inimigo
é muito mais perigoso.

Esta canção ou poesia
não é triste.
Triste é quem encontra
tristeza nesta canção
ou poesia.
Pois encontrar alegria
na Divina Tragédia da vida
é ser verdadeiramente feliz.

E não importa a força do golpe,
terei sempre algo a dizer.

Brasília, 15 de janeiro de 2021

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